9/12/2016 2 Comentários Avaliar-meO post que vos trago hoje, confesso-vos, custou-me um bocadinho a escrever, mas tive de o fazer. Escrevi-o para vocês, para pessoas como eu ou como vocês que algum dia se sentiram injustiçadas. Engana-se quem pensa que o aluno com necessidades educativas especiais (NEE) tem acesso ao mesmo tipo ensino, aos mesmos edifícios, aos mesmos direitos, à igualdade. Não tem. Para já não tem e eliminem esse pensamento da cabeça se pensam que é verdade. Há ainda um longo caminho a percorrer, inúmeras falhas a corrigir e há que ter consciência disso. Como já disse no post Parte I, eu entrei no curso de Arqueologia, pertencente à Faculdade de Letras da Universidade do Porto e, desde o início, soube que iria ter dificuldades pelo pensamento mesquinho e retrograda dos professores «doutores», que acham que Arqueologia é só andar a fazer buracos no chão e a carregar baldes, e que portanto eu não estava lá a fazer nada. Não é, e foi por isso que fiquei. Para lhes provar o quão errados estão (sim, porque no momento em que vos escrevo, garanto-vos que não mudaram de pensamento). E se quem está a ler isto ainda pensar que Arqueologia tem a ver com dinossauros, por favor, eliminem também isso da cabeça. Quando eu entrei para o curso, em 2013, o único pré-requisito exigido era a visão e eu cumpria-o. Aliás, talvez seja das poucas que levou um certificado médico a garantir isso. Talvez, por razões mais ou menos «óbvias», achassem que não era necessário levar um papel a dizer que eram capazes de ver. Eu compreendo. Como não compreender? Portanto, se o meu problema era a mobilidade reduzida eu podia entrar. Não havia nada que me impedisse. E não há nada que impeça vocês de entrarem, se for esse o caso. Foi exatamente o que eu fiz, e permaneci, mesmo quando me sugeriram mudar para o curso de História ou para outro que eu gostasse, que eles «lá arranjavam uma vaga para mim». Respondi-lhes que não, que gostava de desafios, de me superar e aquilo era o ideal. Por dentro, fervilhava de raiva. Como é que em pleno século XXI, com tantas histórias de sucesso, avanços quase diários extremamente magníficos na Medicina e na criação de acessibilidades, e sobretudo sem me conhecerem, podia alguém considerar a hipótese de eu desistir sem tentar? De eu sair só porque lhes ia dar trabalho planear um ensino apropriado? «doutores» não sejam preguiçosos e os reis do mundo. Vocês não sabem tudo. Durante 3 anos ouvi muita coisa que me custou e magoou. Há «doutores» que não têm sensibilidade ou «dois dedos de testa» e não sabem estar calados. Em muitos casos sorri, quando na verdade me apetecia mandá-los fod#'@. No meu primeiro ano de faculdade, fazia todos os dias Vila Real - Porto de autocarro pela IP4, porque ainda não tínhamos túnel, acordando muitas vezes às 4h da manhã e deitando-me às 00h30, porque tinha de apanhar o primeiro e último autocarro. Alugar casa no Porto ficava extremamente dispendioso, uma vez que tínhamos de arranjar uma que albergasse os meus nove animais (Sim, 9. Quatro maravilhosos cães, quatro gatos amorosos e um peixe!) e ainda tivesse condições para mim, porque eu precisava da ajuda da minha mãe. Fiz o sacrifício. Nunca cheguei atrasada a uma aula da manhã, mas, à tarde, já estava exausta pelo cansaço. Só me apetecia dormir... Nunca o fiz. Foi também no primeiro ano que o plano do curso foi alterado e muito bem, diga-se! Mas não para nós. Para quem entrar em Arqueologia agora, vai encontrar um curso mais composto, nós, ou pelo menos alguns de nós, tivemos de repetir unidades curriculares e ficámos sem outras. A alteração do curso trouxe uma novidade já há muito desejada pelos alunos: escavações no último ano (3º). Conclui o primeiro ano sem deixar uma unidade curricular para trás. Entretanto, no segundo ano surgiu a dúvida: como é que iriam ser as minhas escavações? Passei o ano inteiro a tentar informar-me o melhor possível sobre as futuras e ainda não planeadas escavações. Ninguém me sabia dar respostas concretas, porque algo «se iria arranjar». Conclui o segundo ano sem deixar uma unidade curricular para trás. Com a chegada do terceiro ano - o ano das escavações - a dúvida passou a preocupação. Eu continuava sem respostas. Tentei por várias vezes esclarecer a minha situação, mas os professores nada sabiam e não me conseguiam responder concretamente. Um dia disseram que eu devia de ir trabalhar para o Gabinete Municipal de Arqueologia de Matosinhos a tempo inteiro, mas não confirmaram a informação. Quando chegou o mês de dezembro e a reunião da Comissão de Acompanhamento, solicitei aos meus colegas que esclarecessem definitivamente a minha situação, caso contrário eu anularia a inscrição no segundo semestre, uma vez que não tinha dinheiro para gastar num ensino sem qualidade. Na reunião, um professor soltou: «outra vez esse assunto? Mas eu já lhe disse que ia para gabinete!!». (Não caro «doutor». «Deve ir» e «Vai» são coisas completamente diferentes. Caso não compreenda o significado, poderá sempre consultar um dicionário. Sei que ainda não sou licenciada e que, por isso, ao seu lado eu não sei nada, mas siga o meu conselho.) Quando eu soube do sucedido apeteceu-me fazer-lhe o «gesto português» e dizer-lhe que se ele "cagava" dinheiro, pois então que o esbanjasse à vontade, que comigo as coisas não funcionavam assim e que fosse gozar com o crl#@?!. Mas não fiz nada. Não disse nada. Fingi que não sabia de nada. É a melhor maneira de lidar com gente de mente limitada. Depois da cena da reunião e de já saber o que me esperava, lá acabei por me inscrever para o segundo semestre. Como nem tudo é mau na Universidade, pelo menos no curso de Arqueologia, uma amiga ofereceu-me um presente de Natal com o seguinte argumento: "Para que possas escavar connosco." (Sim, eu sei que tem um dinossauro, mas esqueçam lá isso. O que importou foi a atitude dela que me encheu por completo o coração.)
Quando chegou o segundo semestre já estava tudo alinhavado para as famosas escavações. O que é que eu sabia? Que ia para o Gabinete Municipal de Arqueologia de Matosinhos trabalhar sob a orientação da arqueóloga da mesma câmara e que o meu relatório de estágio, por oposição ao dos meus colegas, iria incidir-se sobre o trabalho em gabinete e teria apenas que dar uma pequena atenção ao trabalho de campo. Por mim, tudo bem. Tínhamos acordo. (Desculpem a extensão do post, mas teve de ser.) Durante as aulas, a «professora» nunca deu teórica de como trabalhar em gabinete, mas, sinceramente, esse facto não me incomodou, porque numa outra unidade curricular estávamos e bem a trabalhar isso. As escavações decorreram durante um mês no Castro de Guifões (Não viram as notícias? Ouvi dizer que foram um sucesso! #sqn). Para mim, foi um mês passado no já referido gabinete a tratar do material proveniente do castro. Os meus colegas também se dividiam em pequenos grupos e iam para lá durante três dias. Durante o mês de maio trabalhei com afinco e empenho, tal e qual como tinha aprendido na outra cadeira. Quando determinados métodos não me pareciam corretos, perguntava à arqueóloga que estava a orientar os trabalhos, o porquê de A, B ou C. Procurei trabalhar com os meus colegas em equipa e integrá-los o mais possível. Recebi rasgados elogios da orientadora e de vários colegas. Estava satisfeita com o meu trabalho. Era, muitas vezes, a primeira a chegar e a última a ir embora. Durante um mês fiquei ali, em Matosinhos. Durante o mês a minha «professora» nunca me veio visitar, perguntar se eu tinha dúvidas, se me estava a dar bem com a orientadora ou dar quaisquer orientações teóricas, etc.. Nem sequer enviou um mail. NADA. Fiquei chocada. Isto não era ensino! Depois, conclui, talvez para não entrar em pânico, que teria delegado na orientadora o apoio necessário e a avaliação. Quando chegou o mês de julho, na época de recurso, entreguei o meu relatório. Um relatório bastante extenso onde expunha todas as falhas do trabalho de gabinete, justificando-as com «teoria da especialidade», onde era sincera e dizia que não tinha tido apoio nenhum da parte da «senhora doutora», resultando numa experiência negativa/positiva para mim do ponto de vista educativo - com a reflexão sobre as más práticas também se deve de aprender, não é? Entretanto, a nota saiu. Apeteceu-me chamar-lhe put#2$, bater-lhe. Mas não. Em vez de ser mal educada e agressiva, solicitei a discriminação das notas (14 em gabinete e 14 no relatório). Fiquei escandalizada. Não com a nota do relatório, porque de certeza que a menina se havia sentido ofendida com as críticas e então «castigou-me», mas com a nota de gabinete. Como é que ela tinha tido a coragem de me dar um 14 sem nunca ter posto um pé no meu espaço de trabalho? Como não me contentei, enviei-lhe um outro e-mail a perguntar-lhe em que é que ela se tinha baseado para me dar aquela nota. Ao mesmo tempo, solicitei à minha orientadora que me desse uma opinião e avaliação relativamente ao meu trabalho. A «doutora» deu-me uma resposta de treta, fugindo claramente à pergunta, e, para dar o toque final, ainda disse que fui beneficiada. A orientadora que esteve todas as horas comigo, a trabalhar comigo e a trocar opiniões comigo, disse que eu merecia pelo menos um 16 e que eu era bastante aplicada e trabalhava bem. Respondi à «doutora» a refutar os seus míseros argumentos e acrescentei, no fim, que um 14 em nada refletia o trabalho por mim desempenhado e que tampouco me iria saber a benesse. Não me respondeu mais. Como não gostei da sua atitude para comigo e da porcaria de ensino a que me tinha sujeito, solicitei a intervenção do Conselho Pedagógico da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Apresentei os e-mails trocados e os meus argumentos. Estive à espera de uma resposta durante um mês e tal, se não dois. Acabou por chegar na segunda semana de setembro. Resultado? A mesma resposta evasiva (em carta registada, uau, que chique!), com os mesmos argumentos pobres, mas acrescentou que a orientadora do Gabinete de Matosinhos não é professora, nem está habilitada para formular uma avaliação a meu respeito. Ok, confesso-vos que, nesta altura, me ri. Ri-me muito. Ela tinha tido mesmo a coragem de escrever aquilo?! E prosseguia dizendo que se eu tivesse alguma questão que poderia sempre colocar-lha. Vá, mas ela está mesmo a «falar» a sério?! É que ainda «estou à espera» que ela responda ao outro e-mail... Ela ia manter o 14 porque assim o queria, não porque eu o merecesse. Aliás, ela sublinhou que a professora era ela e avaliação era ela que dava. Quando finalmente recuperei a postura de tanto me rir, fui pesquisar se as entidades acima resolveriam o meu problema. Não podia ser como os «doutores» queriam, pensei. Mas é. Não há entidade que me possa resolver o problema e, por isso, vou ficar com um 14 numa cadeira de 12 créditos, porque não houve uma investigação a sério relativamente à minha situação, mesmo com provas, porque não há uma entidade que ponha travões aos «doutores» que se acham superiores e porque um aluno com NEE não pode ter uma nota superior aos colegas normais. Não é justo para eles. Eu percebo. Eu percebo que, assim que um aluno tem acesso a um ensino adequado às suas NEE, ele de repente seja bom no que faz, mas não é justo ser avaliado de 0-20 como os colegas. A classificação só vai até aos 13 valores, porque o 14 é uma prenda!! Ena, devia sentir-me maravilhosa comigo. Bem, posso ter ficado com o 14, mas resolvi denunciar a situação. É demasiado triste e ridículo ver ao ponto que uma «professora» chega para provar que tem razão. Mas o que é pior, é ver a protecção que existe em torno dos «doutores», que lhes permite fazer tudo o que lhes dá na gana, incluindo avaliar alunos sem os ver a trabalhar. E vocês já passaram por alguma situação em se tenham sentido realmente injustiçados? Deixo-vos aqui duas fotografias do meu trabalho. M.
2 Comentários
Alexandra Gregório
9/17/2016 07:00:56 pm
Compreendo a tua revolta. Ao longo dainha vida profissional acompanhei vários alunos em estágio, como orientadora, e os professores das respetivas escolas sempre delegaram emim a componente da avaliação da prestação prática, de acordo com objetivos previamente traçados e que eram tanto do meu conhecimento como do discente. No decurso desses estágios os professores responsáveis pelo mesmo faziam pelo menos 3 visitas, uma inicial, uma a meio do mesmo e outra noomento da avaliação. Deste modo não compreendo como pudeste ser avaliada com uma nota tão discordante da da orientadora. Apesar de tudo concluiste a tua licenciatura e vais iniciar o teu mestrado. Parabéns e não te esqueças o que não nos derruba só nos torna mais fortes.
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M
9/20/2016 09:20:45 pm
De facto, a minha avaliação foi tudo menos profissional e não percebo como é que a situação aconteceu. Como é óbvio, fiquei revoltada e não podia calar a situação.
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