9/7/2016 12 Comentários Um dia de cada vezA expressão «Viver um dia de cada vez» é já conhecida por todos, mas será que todos vivem assim? Eu não vivia. Achava que podia adiar determinadas coisas porque tinha todo o tempo do mundo. Mas não tenho. Aliás, nenhum de nós tem. Em 2007 reparei nos primeiros sinais. Aqueles que nos indicam que há algo errado connosco, que não está tudo bem e, por mais que tentemos não os ver ou sentir, eles estão lá e não adianta dizer que não. Então, em 2007 reparei nos primeiros sinais porque ia haver uma festa e eu queria usar um sapatinho alto, mas não muito, uma vez que tinha 12 anos. Não consegui, mas desvalorizei o assunto porque eu era miúda e os sapatos de salto eram para as meninas grandes. Levei umas sapatilhas e dancei a noite toda. Cheguei tão tarde a casa que o meu pai acabou por me acordar com a música «Crazy, crazy nights» dos KISS. Entretanto os anos foram passando e eu continuava a não conseguir andar de saltos. Eu queria desesperadamente andar de saltos. Sentir-me elegante. Estava cansada de ir para festas, para discotecas ou bares e levar sapatilhas, mesmo sabendo que a maioria das raparigas entrava de sapatos altos e depois os trocava por umas Nike Air Force brancas (as sapatilhas da moda de que eu nunca fui fã, desculpem) para poderem dançar a noite toda. Também tentei sandálias, de cunha, rasas, de todas as cores e feitios e também não consegui andar com elas. Aliás, nem sequer consigo andar com as famosas Havaianas, nem com as fechadas! Eu desequilibrava-me e caía. Ou então nem sequer me levantava depois de os calçar. Era difícil psicologicamente: sentia-me menos mulher. Aos poucos, fui deixando de conseguir correr, de descer escadas rápido... Em 2011 foi-me diagnosticada epilepsia mioclónica juvenil* e, segundo a minha adorada neurologista, assim que eu tomasse a medicação iria voltar a ganhar equilíbrio e já ia ficar normal. Mas não fiquei e continuava a queixar-me à dita cuja, que desvalorizou, insistindo que tinha de esperar mais um pouco. Como estava super descontente com o tratamento que essa doutora me estava a dirigir, pedi uma segunda opinião, que ficou marcada para o mês de abril (2012), em Lisboa. Até lá, não me restava outra opção se não acreditar que a outra tinha razão - oh, como desejei isso todos os dias! Os primeiros meses de 2012 não foram fáceis. Nada fáceis e, para pôr a cerejinha no topo do bolo, chegou o mês de abril. O tão aguardado mês de abril. Quando cheguei à minha consulta, a médica fez-me aquelas perguntas e alguns testes de «rastreio». Depois de algum tempo a falarmos, eu comentei «A sua colega disse que, assim que eu começasse a tomar medicação para a epilepsia, eu ia voltar ao normal. E depois já posso ir jogar basquetebol e andar de saltos!». O que se seguiu atingiu-me como um soco, deixou-me inconsciente, com raiva e triste. Profundamente triste. «Querida, tu nunca mais vais poder voltar a jogar basquetebol e dificilmente conseguirás andar de saltos. Tu, com o tempo, vais deixar de andar. Lamento imenso.» Deixar de andar? Como assim deixar de andar? O que é que ela quis dizer com aquilo? «Mas não há solução? Não há cura? Não há nada que se possa fazer?» Perguntei. «Não, lamento. Isso é neurológico.», respondeu-me. Durante a viagem de regresso ao Porto chorei. A olhar para a janela do autocarro e a ver a efemeridade das paisagens, chorei muito, mas tomei, provavelmente, a melhor decisão da minha vida: ia aproveitar cada dia como se fosse o último:
Vivi assim até setembro, porque como passei nos exames em junho, consegui inscrever-me para o 12º ano numa outra escola, numa outra cidade. No entanto, apesar de ter adquirido novas responsabilidades, aprendi que a vida é curta. Curta de mais para mim. E por isso, ainda hoje, vivo um dia de cada vez e sobretudo não adio. Quero aproveitar ao máximo!
Se um dia vier a ficar em cadeira de rodas quero poder olhar para trás e dizer que fiz tudo o que queria. * Sobre a epilepsia acho que posso dizer que já não a tenho, uma vez que estou há mais de 3 anos sem qualquer crise e sem tomar medicação! Prometo trazer-vos em breve a minha coleção de sapatos. Deixei as sapatilhas, exceto para ir caminhar ou ir explorar. Deixo-vos um conjunto de fotografias bastante especiais para mim. M.
12 Comentários
Alexandra Gregório
9/5/2016 06:34:50 pm
Estou orgulhosa de teres tido a coragem de partilhar a tua história. Espero sinceramente que com este blog consigas ajudar outros que se encontrem em situações semelhantes.
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M
9/5/2016 06:45:44 pm
Obrigada, mãe! <3
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Luís Marcelo Monteiro
9/6/2016 08:19:28 pm
Orgulho de ser teu pai!!😊
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Mar
9/6/2016 08:20:42 pm
Tenho mais em ser tua filha ❤.
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9/6/2016 08:31:50 pm
So tenho uma palavra para te descrever!!! GUERREIRA
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M
9/6/2016 08:39:08 pm
Desistir? Nunca.
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Pula Oliveira
9/7/2016 11:05:30 pm
Sim Ines, LUTAR e conseguir enfrentar fantasmas....nao só és uma GUERREIRA, mas tambem o transmites aos outros...sinto me pequenina ao teu lado...OBRIGADA <3 :-)
M
9/8/2016 01:20:00 am
Não tens por que te sentir pequenina, Pula. Cada um tem as suas batalhas e todas são igualmente importantes. A Ataxia de Friedreich é a minha (certamente terás uma outra batalha) e o que quero, com ela, é mostrar aos outros que não podemos desistir, que não nos podemos privar de determinadas coisas e temos de inventar soluções para garantir um mundo melhor.
Helena Esteves
9/7/2016 12:11:22 am
Com um texto desses uma pessoa nem sabe o que dizer. Apenas aproveitar a vida e deixar para trás coisas tão fúteis. Beijinho à afilhada da amiga.
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M
9/7/2016 01:28:47 am
A vida é curta, Helena. Há tantas guerras e confusões por coisas materiais, que valem tão pouco ao lado da vida mas que as pessoas preferem dar mais valor.
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9/7/2016 09:25:52 am
Querida Inês, um beijinho grande no coração. <3
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Maria Inês Monteiro
9/7/2016 09:55:26 am
Olá Daniela,
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