9/10/2016 2 Comentários Para vocêsO que lêem hoje é para vocês. Sim, para vocês que desde que souberam do meu blogue me têm apoiado. Me têm mandado mensagens a dizer que me admiram, que eu sou uma inspiração e, as minhas preferidas, para eu não desistir e continuar.
Hoje, o que partilho é para vocês. Vocês que têm uma paciência inesgotável para ler as minhas histórias. Vocês que conseguem despender de um tempinho para me ler. Vocês que ajudam, de alguma forma, a manter o espírito da escrita e do blogue ativos. Na realidade, é graças a vocês, incansáveis, curiosos e fiéis, que as minhas expectativas em relação ao blogue foram totalmente superadas! Por isso, para vocês, o meu gigante obrigada! São os melhores leitores do mundo. E se quiserem que eu aborde ou comente algum tema específico, pois então "faxabor" de comunicarem (podem fazê-lo deixando um comentário no post ou através do facebook, do e-mail e ainda do instagram!) Não, não me esqueci do post dos sapatos (para as meninas mais ansiosas), nem me esqueci do post sobre acessibilidades. Prometo que vão gostar e talvez até rir. M.
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9/7/2016 12 Comentários Um dia de cada vezA expressão «Viver um dia de cada vez» é já conhecida por todos, mas será que todos vivem assim? Eu não vivia. Achava que podia adiar determinadas coisas porque tinha todo o tempo do mundo. Mas não tenho. Aliás, nenhum de nós tem. Em 2007 reparei nos primeiros sinais. Aqueles que nos indicam que há algo errado connosco, que não está tudo bem e, por mais que tentemos não os ver ou sentir, eles estão lá e não adianta dizer que não. Então, em 2007 reparei nos primeiros sinais porque ia haver uma festa e eu queria usar um sapatinho alto, mas não muito, uma vez que tinha 12 anos. Não consegui, mas desvalorizei o assunto porque eu era miúda e os sapatos de salto eram para as meninas grandes. Levei umas sapatilhas e dancei a noite toda. Cheguei tão tarde a casa que o meu pai acabou por me acordar com a música «Crazy, crazy nights» dos KISS. Entretanto os anos foram passando e eu continuava a não conseguir andar de saltos. Eu queria desesperadamente andar de saltos. Sentir-me elegante. Estava cansada de ir para festas, para discotecas ou bares e levar sapatilhas, mesmo sabendo que a maioria das raparigas entrava de sapatos altos e depois os trocava por umas Nike Air Force brancas (as sapatilhas da moda de que eu nunca fui fã, desculpem) para poderem dançar a noite toda. Também tentei sandálias, de cunha, rasas, de todas as cores e feitios e também não consegui andar com elas. Aliás, nem sequer consigo andar com as famosas Havaianas, nem com as fechadas! Eu desequilibrava-me e caía. Ou então nem sequer me levantava depois de os calçar. Era difícil psicologicamente: sentia-me menos mulher. Aos poucos, fui deixando de conseguir correr, de descer escadas rápido... Em 2011 foi-me diagnosticada epilepsia mioclónica juvenil* e, segundo a minha adorada neurologista, assim que eu tomasse a medicação iria voltar a ganhar equilíbrio e já ia ficar normal. Mas não fiquei e continuava a queixar-me à dita cuja, que desvalorizou, insistindo que tinha de esperar mais um pouco. Como estava super descontente com o tratamento que essa doutora me estava a dirigir, pedi uma segunda opinião, que ficou marcada para o mês de abril (2012), em Lisboa. Até lá, não me restava outra opção se não acreditar que a outra tinha razão - oh, como desejei isso todos os dias! Os primeiros meses de 2012 não foram fáceis. Nada fáceis e, para pôr a cerejinha no topo do bolo, chegou o mês de abril. O tão aguardado mês de abril. Quando cheguei à minha consulta, a médica fez-me aquelas perguntas e alguns testes de «rastreio». Depois de algum tempo a falarmos, eu comentei «A sua colega disse que, assim que eu começasse a tomar medicação para a epilepsia, eu ia voltar ao normal. E depois já posso ir jogar basquetebol e andar de saltos!». O que se seguiu atingiu-me como um soco, deixou-me inconsciente, com raiva e triste. Profundamente triste. «Querida, tu nunca mais vais poder voltar a jogar basquetebol e dificilmente conseguirás andar de saltos. Tu, com o tempo, vais deixar de andar. Lamento imenso.» Deixar de andar? Como assim deixar de andar? O que é que ela quis dizer com aquilo? «Mas não há solução? Não há cura? Não há nada que se possa fazer?» Perguntei. «Não, lamento. Isso é neurológico.», respondeu-me. Durante a viagem de regresso ao Porto chorei. A olhar para a janela do autocarro e a ver a efemeridade das paisagens, chorei muito, mas tomei, provavelmente, a melhor decisão da minha vida: ia aproveitar cada dia como se fosse o último:
Vivi assim até setembro, porque como passei nos exames em junho, consegui inscrever-me para o 12º ano numa outra escola, numa outra cidade. No entanto, apesar de ter adquirido novas responsabilidades, aprendi que a vida é curta. Curta de mais para mim. E por isso, ainda hoje, vivo um dia de cada vez e sobretudo não adio. Quero aproveitar ao máximo!
Se um dia vier a ficar em cadeira de rodas quero poder olhar para trás e dizer que fiz tudo o que queria. * Sobre a epilepsia acho que posso dizer que já não a tenho, uma vez que estou há mais de 3 anos sem qualquer crise e sem tomar medicação! Prometo trazer-vos em breve a minha coleção de sapatos. Deixei as sapatilhas, exceto para ir caminhar ou ir explorar. Deixo-vos um conjunto de fotografias bastante especiais para mim. M. 9/7/2016 19 Comentários Despida Já ando a escrever este post há semanas e até agora não o consegui concluir, porque, de certa forma, é das publicações mais pessoais que algum dia já escrevi e tenho medo. Mas o medo nunca conquistou, por isso, de vez em quando, lá ia até ao rascunho e acrescentava uma frase ou qualquer coisa, só para não desistir do texto. Quero tanto partilhá-lo convosco.
Sinto-me despida enquanto vocês lêem cada palavra minha. Sinto-me despida porque agora vocês também sabem o que eu tanto me esforcei para esconder. Mas já não aguentava mais, estava cansada. Estou cansada. Escondi-me em casa, a tentar ao máximo não me encontrar com ninguém que tivesse conhecido o meu eu antigo. Queria que elas preservassem para sempre a imagem que tinham de mim, que não me olhassem de forma diferente. Escondi-me atrás das calças de ganga e das camisas simples. Não queria atrair atenções. Não queria que ninguém comentasse o meu andar estranho ou as cicatrizes que agora me tatuam o corpo. Na realidade, o que eu queria era ser invisível e desaparecer, mas não podia, porque até para isso precisava de ajuda. Perdi para sempre a capacidade de andar, mas, de facto, o que eu perdi foi a autonomia e a capacidade de fazer coisas sozinha. Para me deslocar preciso do apoio do pai ou da mãe, ou de alguém ou de uma canadiana. Parece relativamente simples, mas não é. Sou inconformada por natureza e esta situação leva-me mesmo aos limites. Às vezes apetecia-me ser todas as profissões do mundo que conseguissem corrigir isto e dar-me outra vida. Digam-me, se souberem, como é que se aceita uma situação que nos foi imposta por negligência? Sim, eu sei que a AF aos poucos ia continuar a revelar-se e a mudar-me, mas é inegável o que o partir a perna me fez, dado que até esse dia eu andava... sozinha. Portanto, eu agora preciso de ajuda, seja ela qual for, e é horrível: não tenho autonomia, não faço as coisas como antes e perdi a privacidade, a auto-estima e a confiança. Ninguém percebe, por mais que digam que sim, e não venham com tretas. «Pai, leva-me à faculdade.», «Mãe, vem comigo ao shopping!», «Mãe, leva-me aos cavalos!», «OOOOH pai!! Não te esqueças de mim e de me ajudar a descer as escadas!», «Vê lá se arranjas um sítio sem muita gente, porque ficam a olhar e eu não quero, sff», «OOOOH pai... OOOOH mãe...». Esta é a minha vida há 3 anos. Tinha acabado de fazer 18 anos. Onde eu moro há apenas 4 autocarros ('carreiras') por dia - sim, 4! - e eu, se os meus bobis não colaborarem, praticamente não consigo sair de casa sozinha. Se o piso estiver molhado por um motivo qualquer, podem esquecer a canadiana. É só inútil, porque escorrega, e torna-se num acessório que não só não fica bem com a nossa roupa, como nos faz sentir ainda mais deficientes. É um facto. Habituem-se. Também não consigo andar de autocarros de cidade nem de metros. Há uma espécie de equação que justifica esse facto: primeiro, porque as pessoas têm as suas vidas, têm pressa, estão cansadas e também se querem sentar - sim, eu sei que tenho direito aos banquinhos, mas partimos para o ponto número dois que responde ao resto. Segundo, porque, por um motivo que eu desconheço, as pessoas novas, com cara bonita e que não estejam em cadeira de rodas, não podem ser deficientes, não podem precisar de ajuda e é uma falta de respeito se solicitam os lugares a alguém que tenha 40/50/60 anos e que ainda esteja pronto para as curvas. Nem mesmo com os meus pais gosto de andar, porque caso alguém veja a minha mãe com sacos de compras e eu não e depois me vá sentar, a boca é certa: «A mãe anda feita burra de carga e a menina não». Terceiro, parece haver uma competição entre transportes públicos para ver qual chega mais rápido ao destino e estes arrancam sem darem tempo às pessoas com mobilidade reduzida a oportunidade de se acomodarem. Desisti de andar em transportes públicos em Portugal. Depois, as acessibilidades que determinados edifícios e instituições oferecem a pessoas com mobilidade reduzida são só ridículas. «Ah, nós temos escadas com elevador para cadeira de rodas.» - Mas estão a brincar? Mobilidade reduzida não se resume a cadeira de rodas. Uma grávida tem mobilidade reduzida. Um idoso. Um adulto que parta um braço. Um esquerdino que não tem corrimão do seu lado. Um invisual. Uma criança. Uma pessoa. Alguém. Acabo por desistir e solicitar ao pai ou mãe que me façam determinadas coisas, coisas que são minhas, da minha vida, mas que me vejo obrigada a partilhar. Quando ganho coragem e saio de casa para fora da minha área de conforto, fico triste. Sempre triste. As pessoas olham e comentam. Comentam o facto de «uma mulher nova andar com um homem muito mais velho» ou pela «pouca vergonha de duas mulheres andarem» ou por «hoje 'namorar' com um, amanhã já estar com outro». As pessoas comentam o auxílio que um pai, uma mãe e um amigo dão. Como não ficar triste? De rastos? Se optar por usar a canadiana, as pessoas não olham para mim, não falam comigo e tratam-me como se tivesse um atraso. E quando falam comigo, fazem-no tão devagar que me dão sono e quase que me explicam palavra a palavra o que querem dizer, tipo «Euuuu... teeenhooo... uuum... cãããoo. Eeele... faaaz ãããoo, ãããooo». Na generalidade, o pessoal da minha idade não se aproxima, eu não sou como eles e o diferente causa alguma confusão, sobretudo em como integrar. Para ser sincera, não me admira. As pessoas nem sequer conseguem aceitar quem não come carne. Não estou a gozar. É parvo. Tenho 21 anos e tenho de andar sempre «com alguém atrás». Tenho vontade de conhecer o mundo, mas não tenho vontade de sair de casa. Não me interpretem mal. Adoro os meus pais do fundo do coração, são os melhores do mundo, estão sempre a dar-me o melhor e a tentar dar-me mais autonomia - não os trocava por nada - mas sinto-me uma criança e chata. Tenho de andar sempre com eles, de braço ou de mão dada, ou então sempre dependente deles. É psicologicamente dilacerante para mim e sei que, de certa forma, para eles também. No início, as pessoas ainda se aproximavam e falavam comigo, perguntavam o que me tinha acontecido e eu explicava tudo direitinho. Quando descobriam que nunca ia largar a canadiana ou que podia vir a passar para uma cadeira de rodas, desistiam. Já não servia para ser amiga delas. Nem sequer davam oportunidade. Ouvi pessoas a organizarem saídas e festas de aniversário e não me convidarem porque, diziam-me, eu não iria conseguir ir, porque não ando normal. Acabei por construir um muro. Um muro tão alto à minha volta que não deixo ninguém entrar. Respondo às pessoas, sou simpática com elas e tiro-lhes as dúvidas, mas não passa disso. Pelo menos assim não há ilusões, nem conversas estúpidas. Fiquei sem auto-estima e sem confiança. Vivo agora dentro do meu muro e quase que consigo ser feliz. Sinto-me despida. Agora vocês sabem. M. |
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